sexta-feira, 28 de abril de 2017

ARTIGO - Os sem reforma

   
* Arnaldo Jordy
    
Em pleno século XXI, o Brasil ainda é um país onde existem condições de trabalho semelhantes à escravidão. É o que dizem relatórios do Ministério do Trabalho sobre os mais de 700 trabalhadores resgatados em 2016 pelas suas equipes de fiscalização. Um indicador criminoso, que constrange qualquer cidadão do país que é o 8º maior PIB do mundo. Temos a mais avançada tecnologia de fibra ótica, 120 milhões de pessoas usando telefonia celular online, mas também, contraditoriamente, ainda temos 900 mil pessoas sem registro civil e 6 milhões de analfabetos trabalhando em condições sub-humanas.
   
Infelizmente, a proposta de Reforma Trabalhista aprovada na Câmara não ampara suficientemente essa massa de trabalhadores esquecidos que sobrevivem nos rincões do Brasil, sobretudo no Norte e no Nordeste. Para esses trabalhadores rurais, ainda estamos no século XIX, quando o Brasil aboliu oficialmente a escravidão, mas deixou seus antigos escravos abandonados na mais extrema miséria. Eles não têm sindicatos nem acesso à imprensa, nem ao Ministério Público e na maioria das vezes, não existem para o Estado.
   
Por esse motivo, mesmo sendo favorável às reformas estruturais de que o Brasil precisa, votei contra o projeto da Reforma Trabalhista na Câmara, mesmo reconhecendo alguns pequenos e pontuais avanços, como a regulamentação do tele trabalho e o fim da obrigatoriedade do imposto sindical para os não sindicalizados. Apesar das alterações que ela produz na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), aumentará a vulnerabilidade do trabalhador brasileiro mais fragilizado.
   
Naqueles locais onde há forte organização de trabalhadores e tradição de luta sindical, com bons advogados e assessoria técnica, a hipossuficiência do trabalho é reduzida. Mas, onde essa relação é mais precária, a Justiça do trabalho é a única reparadora de direitos.
   
Também incomoda na Reforma Trabalhista o fim da necessidade de homologação das rescisões trabalhistas diretamente nos sindicatos das categorias. O texto diz que ela passará a ser feita na própria empresa, na presença dos advogados do empregador e do funcionário, que poderá ter assistência do sindicato.
   
É preciso considerar que o projeto foi pouco discutido, com mais 116 artigos novos incluídos uma semana antes de sua votação e pouco tempo para debates. Na Câmara, o projeto precisava ser aprovado apenas na comissão especial e já poderia ir direto ao Senado. Em negociação com o governo, os deputados aprovaram um requerimento de tramitação em regime de urgência, que permitiu em troca levar a análise do texto ao plenário principal da Casa, garantindo a ampliação do debate sobre o projeto. Mas não foi possível incluir todas as alterações que julguei necessárias, por isso me posicionei contrariamente ao projeto.
   
Por outro lado, é inegável que a CLT precisa de mudanças. É uma legislação de 1943, criada pelo Estado Novo de Getúlio Vargas, imposta por decreto, que foi e é muito importante para garantir os direitos dos trabalhadores, mas temos que reconhecer que o mundo do trabalho mudou bastante nos últimos 73 anos. Temos trabalhadores urbanos, muitos deles envolvidos em atividades tecnológicas. Novas relações de trabalho surgiram de mudanças na sociedade no século XXI. A Internet permite que surjam empresas que nem sequer necessitam da presença física do trabalhador.
  
É preciso reconhecer que existem novas modalidades de trabalho em um mundo em constante transformação. A empresa e o empregado podem precisar de um trabalho remoto, ou seja, em casa, ou que se cumpra uma jornada de 12 horas, desde que seguida de 36 horas de descanso. Contratos temporários podem ter uma regulamentação específica. É preciso mudar alguns pontos dessa legislação, para que ela dê conta dos tempos atuais.
  
Não há problema em flexibilizar certas regras que vão facilitar a empregabilidade e ajudar a reverter o desastroso índice de 13 milhões de desempregados deixados pela crise causada pelo governo anterior. Não se pode querer simplesmente criminalizar as empresas, porque elas geram os empregos que o país precisa, mas é necessário que haja justiça.
   
Infelizmente, a reforma não contempla quem está de fora desse ambiente de primeiro mundo que temos nas grandes metrópoles. Há um grande contingente de esquecidos na massa trabalhadora, estimados pelo IBGE em 40% da mão de obra do país. São as pessoas que trabalham sem carteira assinada, na mais completa informalidade, vendendo bugigangas nas ruas ou comida nas esquinas ou de porta em porta. Para estes, os benefícios da CLT nunca chegaram em 70 anos de existência da lei.
   
É possível imaginar os benefícios que a regularização dessa massa de trabalhadores traria, por exemplo, para a previdência social, no momento em que o déficit da seguridade é um ponto de debate crucial para o país. Uma reforma trabalhista para ser completa, deveria contemplar também esses esquecidos do campo e das cidades. O mundo se modernizou, as relações entre capital e trabalho mudaram, no entanto, não podemos esquecer que este é um país profundamente desigual.
  
  
* Arnaldo Jordy é deputado federal, líder do PPS na Câmara
    
  

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